30 de agosto de 17 Autor: Taylor Swift Brasil
The Guardian: “Taylor Swift não é a primeira cobra”

Taylor Swift não é a primeira cobra, ela está lutando contra o mito favorito dos misóginos
Assim como aconteceu desde Eva até Hillary Clinton, a estrela foi vítima de uma narrativa antiga que desacredita mulheres. “ Look What You Made Me Do” é uma resposta adequada.

Brian O’Flynn, The Guardian

Tá na moda odiar Taylor Swift. Ela é pária nas redes sociais, a piada de todos os memes, um emoji de cobra em forma de gente. Seu novo single, “Look What You Made Me Do”, entrou nas paradas com críticas negativas, chegou ao primeiro lugar e bateu recordes no caminho. Seu novo álbum será uma dissertação sobre reputação, e Swift poderia fazer uma palestra no TED sobre o assunto. Ela se tornou tão universalmente desprezada que é tabu até mesmo dizer que sente muito por ela. É permitido admitir que o “1989” tinha algumas músicas muito boas, mas esse é o limite.

Swift se tornou sinônimo do emoji de cobra graças a um tweet de Kim K. A briguinha dela com os Kardashian-West é o que a rendeu a maior parte de sua má reputação — ela é uma mentirosa que teve o que mereceu, certo? Caso encerrado. Mas é ingênuo achar que o bom e velho karma é tudo que está em jogo na saga de Swift.

Swift não é a primeira cobra. Desde o Velho Testamento, a sociedade procura desacreditar e vilanizar mulheres ao associá-las com as rastejantes. É o truque mais velho que tem — de Eva a Medusa, a cobra sempre foi um recurso misógino fiel, usado para destruir a reputação feminina.

A cultura de celebridades é, no melhor dos casos, uma simulação parecida com a vida e, no pior, pura fabricação. Ao público geral só resta tentar adivinhar o que realmente aconteceu entre Swift e West, e todo o incidente pode muito bem ter sido uma armação que beneficiaria ambos. Mas a horda online que compara e cataloga todas as ações de celebridades femininas para avaliação moral abraçou o assunto com uma alegria imensurável — sendo realista, era a desculpa que eles estavam procurando. A queda de Swift era aguardada há muito. Ela já foi diminuída como alguém que namora demais e explora seus parceiros para criar hits de Youtube e, no tipo de ataque mais famoso, declarada uma calculista vítima profissional. Devemos acreditar que os playboys poderosos com quem ela sai são cordeiros indefesos.

Muito antes do fiasco com West, ela já tinha ganhado fama de cobra quando enviou cartas por meio de seus advogados a fãs que vendiam produtos com seu nome, e a seu antigo professor de violão por tentar explorar seu passado. Em uma sociedade que supostamente abomina o fato de mulheres receberem menos por seu trabalho, seria perdoável pensar que a defesa de sua propriedade intelectual e do direito de receber por seu trabalho era admirável da parte de Swift. Em vez disso, o que ela encontrou foi uma campanha viciosa de assassinato de caráter — provas dos anos em que ela se esforçou para ser infinitamente gentil com seus fãs foram enterradas em um mar de memes ofensivos. As pessoas estavam determinadas a vê-la como falsa e traidora.

A ânsia de escrutinar e condenar surgiu outra vez quando Swift fez uma tentativa atrapalhada de discussão feminista. Ao tentar chamar a atenção de Nicki Minaj em uma agora infame briguinha no Twitter, ela demonstrou falta de conhecimento de feminismo interseccional. Rapidamente percebendo seu erro, Swift ouviu, aprendeu e se desculpou, algo que poderia se julgar uma resposta exemplar — mas era tarde demais. A caça às bruxas já estava encaminhada.

Em 2017, é inaceitável que mulheres famosas aprendam constantemente — elas devem sair do útero com conhecimento completo e funcional de feminismo interseccional e, se não saírem, aparentemente merecem uma campanha constante de abuso online. Não é surpreendente que, um ano depois, Swift tenha retirado seu apoio a letras misóginas de West — ela provavelmente estava morrendo de medo de dar outro passo em falso.

Swift saiu nas manchetes novamente nos últimos tempos porque processou seu assediador e pediu uma indenização simbólica de US$ 1. Ela ganhou com estilo, reafirmando quão errado era o abuso que aconteceu com ela, mas, no dia de sua vitória, havia silêncio na hashtag de Taylor Swift. A horda online que julgou Swift por tanto tempo não perde uma, então a surdez seletiva nessas horas diz muito. Apenas provas de seus erros são aceitas como verdade.

Não importa o que Swift faça, ela é acusada de ser uma sedutora traiçoeira. Ela é sempre uma cobra. Suas ações só são incorporadas na narrativa mais tarde, como pequenas provas que apoiam uma conclusão já existente. Como toda caça às bruxas, a sentença é afogamento. Se você afundar, você morre, se flutuar… nós a matamos por ser uma bruxa, sua idiota. Odiá-la é o fim e o meio, e a resposta dela não significa nada. Ela já tentou se parodiar, já tentou abraçar orgulhosamente sua reputação (ver “Blank Space” e o vídeo de “Look What You Made Me Do”), mas nada funciona. Sua reputação não vai mudar, independentemente de suas ações — mas isso não é novidade, nem para ela nem para nenhuma mulher famosa.

Há apenas 18 meses, outra mulher era o sinônimo da cobra — Hillary Clinton. Assim como Swift, ela não é perfeita — mas contra Donald Trump deveria ter sido uma escolha fácil para presidente. O público novamente se agarrou a pequenas coisas fabricadas (nesse caso, e-mails fantasmas) para engrandecer pequenas falhas de caráter em uma mulher que seriam ignoradas em um homem. Não foi sequer preciso ter evidência material para a queda de Clinton — a “mulher como serpente” é uma coisa tão enraizada na sociedade que fomos convencidos com o mais sutil dos incentivos. Sua reputação estava decidida antes dos fatos. Novamente, a cobra abaixou a cabeça e todos nós sibilamos em uníssono.

A cobra comendo sua própria cauda no lyric video de Swift é um símbolo genial do ódio sem um começo ou fim lógico; a misoginia sempre se realimenta. É um ciclo que se repete infinitamente — não faz tanto tempo que Monica Lewinsky era a cobra e Hillary Clinton, o exemplo de pureza para contrastar. Antes de Swift, era Lady Gaga ou Lana del Rey sendo criticada como falsa. Agora elas milagrosamente caíram de volta nas graças da sociedade, mas por quanto tempo? As mulheres vivem sendo colocadas e retiradas desses papéis na máquina da sociedade patriarcal e em sua corrida para destruí-las.

A nova música de Swift é composta superficialmente como sendo para Kanye, mas o “palco inclinado” a que Swift se refere não é de West, é nosso. Nós, sua audiência de bilhões, somos quem sempre a deixa quase cair da borda. As metáforas de Swift arrepiam demais para serem acidentais — “você disse que a arma era minha” captura habilmente a forma com que a sociedade misógina conjura jeitos de vilanizar, demonizar e desacreditar mulheres.

Swift sabe que não pode vencer, então ela se contenta em interpretar qualquer papel que a coloque temporariamente nas graças de novo — “Eu serei a atriz estrelando seus pesadelos”. Swift sabe que sua reputação está fora de seu próprio controle. Sim, o novo single de Swift é uma indireta, mas é pra nós. E nós provavelmente merecemos.





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