O motivo pelo qual a aclamada cineasta feminista decidiu fazer um documentário sobre uma das maiores estrelas pop do mundo.

Eu conheci a documentarista Lana Wilson em um painel que eu estava controlando sobre como fazer documentários em espaços difíceis e íntimos. Wilson se encaixava perfeitamente no assunto- seu filme de 2013, After Tiller, por exemplo, documenta a vida dos únicos quatro médicos nos Estados Unidos que realizam abortos tardios. Seu documentário de 2017, The Departure, explora a epidemia de morte por suicídio no Japão por meio do retrato de um monge budista.

Fiquei um pouco surpresa quando descobri que o novo filme dela era um retrato de um assunto muito diferente: Taylor Swift, uma das pessoas mais conhecidas do planeta. Mas depois de ver o filme, faz sentido que Wilson tenha se envolvido.

Miss Americana captura um retrato muito mais íntimo do que o documentário típico de estrela pop. Enquanto Wilson estava fazendo o filme, principalmente durante a gravação do álbum de Swift, Lover, em 2019, Swift passou por uma série de eventos que mudaram sua visão de si mesma – mais notavelmente, contra um homem que a processou depois que ela o acusou de tateá-la. Swift venceu o processo e ganhou certa confiança para falar sobre outras coisas, incluindo suas opiniões políticas.

Em Miss Americana, Swift explica essa jornada e insere o público em alguns aspectos de sua vida, especialmente em seu processo de composição, que é agradável de se ver. (Seu relacionamento com o ator Joe Alwyn permanece em grande parte fora da tela; ela ainda é uma pessoa reservada.) Ela é franca sobre suas experiências com transtornos alimentares, fama, paparazzi e sua espiral emocional depois que Kanye West roubou o discurso  de Swift no VMAs em 2009.

Conversei com Wilson após a estreia do filme no Sundance Film Festival, em janeiro, na qual Swift participou. Nossa conversa, que foi levemente editada, segue.

Alissa Wilkinson

Na estreia, Taylor disse que vocês duas não tinham certeza do tipo de filme que estavam fazendo quando começaram. Então, como esse projeto acabou acontecendo?

Lana Wilson

Fui apresentada a Taylor por Morgan Neville, que é produtor do filme. Fui encontrá-la pessoalmente, e ela assistiu alguns dos meus trabalhos. Conversamos por uma hora sobre documentários e narrativas.

Eu conhecia e amava os álbuns dela. Eu dizia aos amigos: “Oh, você deveria ouvir suas músicas antigas do country, porque são ótimas composições”. Não sei muito sobre música country, mas sabia que ela era uma compositora extraordinária. Então eu a admirava e sabia que ela escrevia suas próprias músicas há 15 anos, e tudo isso. Mas eu não sabia nada sobre sua vida pessoal ou como ela era além de suas músicas.

Então, quando nos conhecemos, tínhamos uma admiração mútua pelo trabalho uma da outra. Ela gostou que meus documentários dão espaço ao público para tirar suas próprias conclusões. Eles são sobre áreas cinzentas e complexidade. Ela realmente se empolgou com tudo isso.

Nós conversamos sobre fazer um documentário que parecesse cru e íntimo, complexo e bagunçado. Ela estava saindo de um momento importante em sua vida. Ela estava fora dos olhos do público há um ano e estava voltando. Ela queria continuar trabalhando e sair para o mundo, mas queria fazê-lo de uma maneira em que não se preocupasse tanto em conseguir a aprovação de todos e fazer com que todos gostassem dela

Isso era algo com o que eu me identificava, como uma pessoa criativa. É aterrorizante colocar sua arte no mundo. Você sempre espera que todos gostem, mesmo sabendo que nem todos irão gostar. Estamos todos nas mídias sociais e mais conscientes do que nunca de como avaliamos outras pessoas, e se as pessoas gostam de nós ou não.

E eu me identifiquei com ela como uma artista feminina em uma indústria dominada por homens. Há algo diferente em precisar ser apreciado pelas pessoas nessa indústria e pelas pessoas com quem você trabalha. Se você for uma mulher, você é julgada com base na sua simpatia, o que não acontece se você for homem. Eu imediatamente pensei que isso poderia ser incrivelmente rico e profundo, e comecei a filmar. A evolução de sua consciência política e feminista, levando a essa decisão de falar politicamente, para mim, foi algo extraordinariamente poderoso de se testemunhar.

Alissa Wilkinson

Muitos dos grandes eventos públicos mostrados no filme são familiares para a maioria das pessoas que acompanham a cultura pop, mas com esse filme parece que estamos tendo acesso a imagens dos bastidores. Muitas pessoas pensaram que sabiam o que estava acontecendo com Swift por trás das manchetes, mas isso não é necessariamente verdade.

Lana Wilson

Certo. Descobrir como fazer isso na sala de edição foi um desafio e uma alegria. O filme cobre cerca de dois anos. Mas então, você precisa perguntar: que elementos da história e do passado dela você precisa conhecer para ter o contexto da jornada emocional em que ela se encontra?

Ela já tem 15 anos de carreira, então tínhamos uma quantidade enorme de material para escolher. Acabamos, na sala de edição, decidindo usar as imagens de arquivo o mais moderadamente possível; nós apenas usamos o que você precisava saber para entender de onde ela vinha e por que [a decisão de falar] foi tão profunda para ela.

Alissa Wilkinson

Parece que montar essa história seria especialmente difícil com um assunto sobre o qual todos têm pré-conceitos. Todo mundo pensa que sabe quem é Taylor Swift. Seus outros filmes são sobre pessoas que não são celebridades (apesar de serem figuras públicas à sua maneira). Você sentiu que tinha que fazer algo diferente para descobrir qual seria a história desta vez?

Lana Wilson

Bom, sim e não. Eu sinto que meus outros filmes são sobre pessoas que vivem em circunstâncias extraordinárias. E eles estão dando ao público a chance de experimentar intimamente a vida dessas pessoas, mesmo que seja, provavelmente, o mais diferente possível do que a vida dos membros da platéia. Portanto, minha abordagem foi bastante comum aqui. Fiquei surpreso com momentos [na vida de Taylor] com os quais pensei que as pessoas pudessem se identificar, principalmente mulheres e meninas. Então esse era realmente o foco.

Mas em alguns aspectos, é claro, foi bem diferente dos meus outros filmes em termos de quantidade de informações disponíveis publicamente sobre a pessoa. E você está certa, as pessoas tem todos os tipos de pré-conceitos sobre Taylor Swift.

Alissa Wilkinson

Eu acho que a minha coisa favorita sobre o filme é o quanto podemos assistir Taylor apenas trabalhar! Documentários sobre o processo de criação dos artistas me fascinam, e isso é uma grande parte do filme. Nós apenas assistimos ela escrever músicas. Eu acho que isso também pode ajudar a mostrar a alguns céticos que ela é uma grande compositora, especialmente para pessoas que assumem que ela é apenas uma estrela pop fabricada por ser jovem, bonita e bem-sucedida.

Lana Wilson

Ninguém nunca tinha filmado com ela no estúdio antes.

Alissa Wilkinson

Nunca?

Lana Wilson

Nunca. De vez em quando ela usava seu próprio celular para filmar, o que você vê um pouco no filme.

Foi divertido para mim, como uma pessoa que também é criativa, ver o processo. Ela está sempre usando o gravador de voz ou escrevendo letras  nas notas de seu telefone.Você tem que fazer isso como escritora – você precisa pegar as ideias quando surgem. Ela é uma profissional nisso.

É divertido assistir alguém que vem sendo  uma compositora tão extraordinária há 15 anos,que já dominou o processo.  Eu amei assistir isso. Mas ninguém nunca havia filmado com ela no estúdio antes, então foi um processo.  Entrei sozinha com uma câmera e me plantei no canto. No segundo dia, eu podia me mover um pouco mais. No terceiro dia, eu poderia trazer um gravador de som. Tento criar a menor pegada possível – apenas eu, ou eu e uma outra pessoa, na sala.

Foi um desafio.  Mas acho que, no final, ela passou a gostar de nos receber lá.  É diferente, mas em meus filmes anteriores, durante situações sensíveis na filmagem, tentei ficar quieta e irradiar meu apoio. Eu sei que não sou invisível e que não vou desaparecer mas posso fazer parte do processo de maneira silenciosa.

Alissa Wilkinson

Essa é a parte engraçada quando se pensa em um documentário – é como um experimento científico.  As coisas mudam sob observação. Mas o que eu me pergunto, já que Taylor está tão acostumada com os holofotes, é se é diferente no caso dela.  Você sentiu que ela estava mais ou menos ciente das câmeras, prestando atenção em criar uma imagem para as câmeras, do que alguma outra pessoa poderia estar?

Lana Wilson

Honestamente,você teria que perguntar a ela. Eu acho que minha presença parecia diferente da de outras pessoas que já a filmaram no passado. Digo, é alguém que tem paparazzi atrás dela o tempo todo. E ver uma câmera do nada – é assustador. Uma câmera carrega o potencial de ser uma força destrutiva – e tem se apresentado como tal em sua vida. O microscópio em que ela é colocada pela mídia e pelo público, e não é apenas sobre a música dela. É sobre ela como pessoa. De muitas maneiras ela é sozinha. Ela escreve todas as suas próprias músicas sozinha. Uma artista totalmente auto-criada que faz isso há 15 anos, com toda força. Mas dizer que ela não tem colegas é um elogio e um dilema, porque não há muitos modelos para serem observados. Ela está fazendo isso sob intensas camadas de pressão pública, tanto sobre ela como artista quanto como pessoa.  E de alguma forma ela conseguiu manter sua humanidade e seu senso de humor, apesar de tudo isso. Isso foi incrível de ver.

Alissa Wilkinson

Eu acho que algumas pessoas vão assumir que ela realmente criou essa imagem dela.  Isso pode ser porque você não aparece no documentário.

Lana Wilson

Sim. Eu não apareço nos meus documentários. Eu nunca apareci. Há um ponto no filme em que você ouve minha voz, e essa foi a ideia de uma de nossas editoras, Lindsay Utz.  Eu pensei que seria uma ótima ideia.

Alissa Wilkinson

É você fazendo perguntas à Taylor, certo?

Lana Wilson

Sim. Ela diz que não existe isso de ‘vadia’ ou ‘vagabunda’ e depois pede desculpas, aí se pergunta por que está se desculpando. Você pode me ouvir dizendo: “Bem, nós somos treinadas para pedir desculpas”. Era uma coisa ótima de se ter lá porque se refere a algo que muitas mulheres experimentam. Se você fala demais ou vai longe demais, ou é muito forte ou assertiva, pensa: “Oh, Deus. Eu sinto muito. Eu ofendi você? Tudo bem?”

Taylor realmente queria um diretor que trouxesse sua perspectiva para o documentário e, trabalhando com ela, senti que eu tinha liberdade de contar a história. Portanto, não me coloco nos meus filmes, mas sinto que escolhi a história que queria contar.

E quando eu lhe mostrei o filme, ela adorou. Ela nunca planejou nada. Ela não tinha um plano para o que o documentário deveria ser. Ela realmente queria que alguém entrasse, filmasse sua vida e depois fizesse uma história.

Alissa Wilkinson

Há algo de muito reconfortante nessa ideia, de ter alguém para entender sua própria jornada.

Lana Wilson

Acho que muitas estrelas de documentários assim concordam em participar deles porque têm curiosidade sobre a história que vão contar sobre sua vida. Eles querem uma perspectiva externa. Quero dizer, é por isso que vou à terapia. Meu terapeuta está me contando um romance sobre a minha vida, e eu aprendo muito com isso. Eu acho que pode ser semelhante com assuntos de documentários. Eu vi essa pessoa passando por esse capítulo transformacional em sua vida que foi um momento de reflexão e auto-avaliação.

É por isso que eu queria mostrar no filme ela olhando para os diários de infância. Eu queria começar de uma maneira provocativa, onde estamos nos situando na voz interior dela.

Eu queria que o filme começasse de uma maneira que sinalizasse que esse filme seria diferente de outros sobre estrelas pop, fazendo-nos ouvir a voz dela por cima de imagens do auge de sua fama, dizendo: “Eu me tornei a pessoa que todo mundo queria que eu fosse”. Eu sempre soube que queria terminar o filme com ela voltando ao palco, voltando aos olhos do público. Colocando sua arte lá fora – se colocando lá novamente – mas com esse novo autoconhecimento e autoconsciência.

Eu acho que é corajoso da parte dela fazer esse documentário, porque ela não é alguém que precisa fazer isso. Ela teve o álbum mais vendido do mundo no ano passado. Mas acho que ela quer se comunicar com as pessoas.

E há tanta coisa que espero que seja reconfortante, inspiradora e relacionável para as pessoas ao compartilhar essa experiência com elas. Mesmo que muito disso sejam experiências difíceis.

Alissa Wilkinson

Acho que as pessoas têm essa ideia de que as pessoas que ficaram famosas quando jovens já nasceram com essa habilidade, de que elas nunca lidam com medo ou dúvida. Miss Americana realmente complica essa narrativa, deixando claro o quanto o medo e a necessidade de agradar tem feito parte da vida dela.

Lana Wilson

Estamos todos tentando ser pessoas confiantes no mundo. Você pode ser uma pessoa criativa colocando seu trabalho lá fora. Ou talvez seja necessário ter uma conversa difícil com sua família que você está evitando, o que também vemos Taylor fazer no filme. Estamos todos tentando encontrar maneiras de sermos fiéis a nós mesmos e sermos pessoas confiantes, mas todos inevitavelmente temos inseguranças e desafios. Eu queria mostrar toda essa contradição e complexidade neste filme.

Miss Americana abriu o Sundance Film Festival em 23 de janeiro e estreia na Netflix em 31 de janeiro.

Entrevista publicada pela Vox e traduzida pela equipe TSBR.





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