Swift é uma máquina do pop de 2017 em “reputation”, mas a que custo?

Taylor Swift é conhecida pelo jeito sincero e estanhamente íntimo com que desarma aqueles que lhe fizeram mal. Ela é uma compositora e artista que por muito tempo prosperou nos antagonismos (é um de seus pólos; o outro é o extremamente romântico), e nenhuma estrela do pop moderna comunicou os contornos de suas decepções com tanta precisão emocional e sofisticação melódica.

“I Did Something Bad”, a terceira faixa de seu novo álbum, “reputation”, tem todas as características de uma investida clássica de Swift: letras sobre homens que mergulharam fundo demais salpicadas com a quantidade certa de detalhes para sugerir defeitos graves. Mas o refrão é algo diferente: “Eles dizem que eu fiz algo ruim/Então por que me sinto tão bem?”. Na superfície, é um despertar, mas, na verdade, é uma afronta. O alvo é ela própria –sua inocência, sua ingenuidade, o jeito com que lutar para ser perfeita talvez seja a maior falha de todas.

O bombástico, inesperado e sorrateiramente potente “reputation” é várias coisas: é o primeiro álbum no qual Swift xinga (“damn” não conta); é a primeira vez em que ela canta sobre consumir álcool (repetidas vezes, por falar nisso); e é o veículo para suas canções mais abertas sobre atividades sexuais. Swift tem 27 anos hoje, e as coisas que costumava se negar –ao menos na música– não existem mais.

Mas além disso ele também é Swift correndo atrás daquele sentimento bom, empurrando pra trás uma década de seguir seus próprios instintos. E funciona. “reputation” é fundamentalmente diferente de qualquer outro álbum dela, no sentido de que ele leva em conta –prioriza, na verdade– o tempo e tom de sua concorrência. “reputation” é uma renegociação pública, participando da música pop em seus próprios termos, não nos dela.

E mesmo que o que esteja acontecendo no pop –noir leve pós-Drake, ou dramaturgos góticos mas sem graça como Halsey e Selena Gomez– não faça necessariamente parte dos pontos fortes de Swift, ela encapsula isso e segue em frente, encontrando formas de incorporar em seu arsenal, e de se incorporar nisso. Algumas coisas são perdidas, é claro, mas no fim Swift é tão eficaz em refinar as ideias de pop de todas as outras pessoas quanto foi em traçar seu próprio caminho.

Isso significa uma mudança de suas melodias conhecidas para uma abordagem que usa sua voz como forma de realce, ou tempero –a diferença entre músicas que são a Taylor de 24 quilates e as que são apenas folheadas a Taylor. Significa tirar continuamente a ênfase –como já começou a acontecer em seu último álbum, “1989”– dos tipos de narrativa densa que foram tão integrais para o começo da carreira dela. Significa que, em algumas canções aqui, Swift está fazendo algo ao menos um pouco parecido com um rap. (Sinto muito, a velha Taylor não pode vir ao estúdio agora.)

Não se engane: essas são proposições chocantes. E ainda assim Swift se compromete com elas e é bem-sucedida, em um ato de liberação de seu passado e também cálculo de quanto o mercado pode aguentar.

É porque, depois do “1989”, tudo que sobrou para Swift foi fazer música pop do jeito que a maior parte das outras superestrelas faz. Todas as músicas do “reputation” são produzidas ou por Max Martin com seus associados ou por Jack Antonoff com Swift. Os dois são colaboradores de longa data dela, e ambos tiveram um papel importante na criação do som do pop atual.

O lugar ao qual eles levam Swift é um pop-R&B leve, com produção que pesa nos sintetizadores e se move de forma sensual. “Delicate”, um dos destaques do álbum, poderia se passar por uma colaboração Drake-Rihanna. Aqui, Swift canta em sussurros com uma nova atenção ao ritmo. (Ela também usa um vocoder em parte da música.) Algo similar, mas ainda mais exagerado, acontece em “Dress”, que –com a respiração envergonhada de Swift– parece algo que os revivalistas de club-soul do AlunaGeorge poderiam fazer.

Essas músicas enfatizam a cadência do canto dela, não a melodia ou o alcance. E, em algumas outras músicas aqui, ela entra em uma espécie de tom de conversa que nem sempre convence. Este é um tema que persiste no álbum: emprestar estilos e abordagens da música negra, e suavizá-los o suficiente para que Swift consiga fazer de forma convincente e plausível.

O exemplo mais marcante é “End Game”, uma batida suavemente confiante com a participação de Future e Ed Sheeran. Swift fazer um dueto com Future seria inimaginável há cinco anos, mas aqui, surpreendentemente, quem parece menos em casa é Sheeran.

As ideias que Swift e seus produtores estão usando estão cozinhando no pop mainstream há muito tempo. (Nada aqui abala tanto quanto a vez em que ela trouxe uma batida de dubstep para “I Knew You Were Trouble” em 2012, quando isso ainda era novidade.) O que é notável, porém, é que ela não foi atrás dos inovadores para essas ideias, e preferiu usar Martin e Antonoff como alquimistas e filtros.

Essa abordagem também serve a outro propósito, que é protegê-la das limitações de sua voz. Algumas músicas aqui –“Don’t Blame Me”, especialmente, que lembra de leve a era dos corais gospel da Madonna– pedem por melisma, ou uma abordagem vocal mais soul que misture dureza e agilidade. Mas esses não são os dons de Swift. Ela está mais forte que nunca como cantora (mesmo que este álbum não a deixe muito solta), mas a maior parte de seu canto aqui é fragmentado.

Isso acontece porque quase todas essas músicas são a soma de partes muito diferentes; muitas se movem em várias direções diferentes, uma virada brusca após a outra. Guitarras, quanto presentes, geralmente estão distantes na mixagem.

Esse tipo de maximalismo estrutural está virando uma característica da Swift do pop. “I Did Something Bad” tem a energia de uma moto embalando o motor, e ambos os primeiros singles, “…Ready For It?” e “Look What You Made Me Do”, usam sons duros e segmentos que crescem com urgência para um efeito teatral e contundente.

Esse é o trabalho dos dois produtores: Martin e seu time cuidam da maior parte da turbulenta primeira metade do álbum, e Antonoff é dominante na emocional segunda metade. O tom de Swift muda ao longo do álbum também –no começo, ela está indignada e espinhosa, mas no final está praticamente ronronando.

Ela ainda tem adversários à vista; há farpas para Kanye West, e também um ex-namorado ou outro. Mas aqui, também, ela vira a lupa para o outro lado. Algumas das letras mais ácidas e conscientes do álbum são sobre ela. “Getaway Car” é sobre o que acontece quando você salta alegremente de um relacionamento para outro. Swift está em seu melhor imagético aqui: “As gravatas eram pretas, as mentiras eram brancas/em tons de cinza à luz de velas/Eu queria deixá-lo, e precisava de um motivo”.

Isso são coisas familiares de Swift –ou, pelo menos, o que um dia foi coisa familiar de Swift. Neste álbum, não é mais a prioridade. O encerramento do álbum, “New Year’s Day”, é a única música acústica, e também uma das mais bem-escritas (apesar de parecer que devemos isso tanto a Sheeran quanto a Swift). Também é a única música aqui que, à primeira escuta, não levanta a dúvida existencial sobre o que exatamente constitui uma música de Taylor Swift em 2017. Ao fazer seu álbum mais moderno –um em que ela regularmente visita território hostil e sai praticamente ilesa– Swift entregou um quebra-cabeça: se você está usando as partes de outras pessoas, algum dia consegue realmente recriar a si mesmo?

–Jon Caramanica
70/100
(Texto original)





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