É difícil lembrar de algum grande astro ou estrela do pop que tenha se entregado em um ato mais sério ou mais bem sucedido de mudança de tom do que Swift em seu oitavo álbum, uma trama bastante moderada mas igualmente rica. Escrita e gravada em quarentena.
Enquanto muitos de nós passamos os últimos quatro meses variando nosso peso nessa quarentena, Taylor Swift estava trabalhando em 16 faixas para “folklore”. Lançado quinta-feira à noite com menos de um dia de aviso, seu oitavo álbum é uma coleção completa e bem planejada de músicas que soam como se tivessem sido produzidas por anos e não o produto de um quarto de ano através de compartilhamento de arquivos e isolamento. Lembre-se, o termo “heróis da pandemia” devem ser reservados para os trabalhadores da linha de frente do combate à doença e não para grandes artistas. Mas tem um pouco do espírito de ‘Rosie the Riveter’ (aquela, da famosa ilustração ‘We Can Do It!’ que representa o feminismo e trabalhou produzindo armas para substituir homens que foram para a guerra) na maneira que Swift se tornou a primeira grande artista pop a entregar um álbum de primeira que foi gerado e trazido à vida durante o lockdown nacional.
Os temas de “folklore”, entretanto, são um pouco menos ‘We Can Do It!’ e um pouco mais ‘Can We Do It?’ (Nós podemos! / Nós podemos?). Porque essa nova coleção é o álbum mais abertamente contemplativo de Swift — ao invés de dissimuladamente reflexivo — desde o favorito dos fãs, “Red”. Na verdade, isso é um eufemismo. “Red” parece um álbum dos Chainsmokers comparado ao completamente livre de batidas explosivas “Folklore”, que passa sua primeira metade despojando-se de quaisquer vestígios remanescentes do pop dançante de Max Martin e apresentando Swift, de novo, como sua nova artista indie-electro-folk favorita. Para os fãs que já apreciaram essas nuances de Swift no passado, esse novo trabalho virá como um lado dela que eles conhecem muito bem, e amam. E para quem ainda está com “You Need To Calm Down” do ano passado na cabeça, isso será um ato repentino de redução manual para realmente se acalmar. Pelo menos esse não exigirá um remake de Ryan Adams para convencer ninguém de que há composição aqui. A melhor comparação pode ser pegar “Clean”, o desfecho não representativo de “1989” e … imaginar um álbum inteiro assim. Realmente, é difícil lembrar de qualquer estrela pop que tenha se entregado em um ato mais sério ou mais bem sucedido de mudança de tom.
E o tom desse lançamento não será um choque da madrugada pra ninguém que recebeu spoilers do anúncio mais cedo de que a maioria das faixas foi co-escrita e produzida por Aaron Dessner, do The National, ou que o homem substituindo Brendon Urie, o vocalista do Panic! At The Disco, como parceiro de dueto nesse álbum é Bon Iver. Não importa quanto crédito você já tenha dado a Swift por pensar fora da caixa, uma risada assustada pode ter surgido por causa de nomes tão inesperados na lista de artistas que a mulher que acabou de lançar “ME!” poderia trabalhar em seguida. Mas não foi dessa vez que sua intuição criativa a levou a uma colaboração “óleo e água”. Dessner se revela o parceiro ideal — além de ser multi-instrumentista, o que é bastante útil em meio a uma pandemia, — junto com o também creditado como compositor e produtor de “Lover”, do ano passado, Jack Antonoff.
Ele também está presente e é responsável por “Folklore”, com uma extensão um pouco menor, e juntos Antonoff e Dessner formam uma equipe de suporte surpreendentemente bem combinada. As colaborações de Swift com o vocalista do The National claramente definem o tom do projeto, com muito dedilhado, cordas reais, bateria suave e teclados Mellotrons. Você pode sentir Antonoff, nas músicas que ele fez com Swift, trabalhando para conhecer o humor e o estilo do que Dessner havia feito ou estaria fazendo com ela e revelando seu próprio lado acústico e levemente orquestrado. Por melhor que álbum seja, no geral não é muito difícil descobrir quem trabalhou em qual música – as contribuições de Dessner costumam soar quase como neoclássicos com riffs de piano ou guitarra que Swift sobrepôs, enquanto Antonoff trabalha um pouco mais para sustentar melodias pop um pouco mais familiares de Swift, variando para cima ou para baixo para atender a vibe mais sombria.
Para alguns fãs, pode levar algumas voltas ao redor do quarteirão para se acostumar com esse novo modelo, que é um pouco diferente mas que, sob o capô, ainda guarda o mesmo poder. E isso é realmente crédito de Swift, cuja genialidade para melodias conversacionais e talento para dar a cada refrão uma reviravolta reveladora permanecem marcas inconfundíveis dela. Tematicamente, é um pouco mais uma miscelânea do que álbuns autobiográficos mais claros, como “Lover” e “Reputation”. Swift sempre descreveu seus álbuns como sendo diários de um certo período de tempo, e algumas músicas aqui obviamente se encaixam nessa conta, como continuações do novo conteúdo que ela explorou em seu último álbum e meio. Mas há também um grau maior de ficção do que qualquer coisa que ela possa ter buscado no passado, incluindo o que ela descreveu como uma trilogia de músicas que giram em torno de um triângulo amoroso do ensino médio. O fato de ela se referir a si mesma por nomes como “James”, na música “Betty”, é um bom indicador de que nem tudo aqui é extraído de manchetes ou de entradas de diário.
Mas claro que um pouco foi sim. Qualquer um procurando por Easter eggs para confirmar que Swift ainda se inspira na própria vida vai ficar alegre com a música “Invisible String”, trechos como “abençoadas sejam as estradas imperfeitas que me trouxeram até você” mostram que esse é um tipo de música que foi escrita a partir da satisfação encontrada em um parceiro atual que uma vez, quando jovem, usou uma camisa azul-petróleo para trabalhar em uma loja de iogurte enquanto Swift sonhava com um romance perfeito ambientado no Centennial Park em Nashville. (Uma rápida pesquisa no Google revela que sim, Joe Alwyn já trabalhou na indústria de iogurtes congelados de Londres.) Há também um pouco de auto-referência astuta enquanto Swift segue o fio dourado do destino que eventualmente os uniu. “O clima era ruim da música no táxi em sua primeira viagem para L.A.”, ela canta. O “Dive Bar”, que há dois álbuns atrás foi estabelecido como cenário de alguns dos encontros dos dois também reaparece aqui.
Já o clima ruim de verdade? Esse mal aparece em “Folklore”, mesmo de maneira substancial ou com detalhes da vida real, contrariando sua reputação de escrever letras que são melhores que vingança. Mas quando aparece, coitado de quem cruzou os T’s e pingou os I’s em um contrato que Swift sente que foi rabiscado. Pelo menos, podemos suspeitar fortemente sobre o que ou quem são as reais inspirações para “Mad Woman”, o único momento real de afronta desse álbum. “O que você achou que eu diria sobre isso?” Swift canta nos primeiros trechos. “Um escorpião pica ao revidar? / Eles atacam para matar / E você sabe, eu também.” Logo ela acrescenta lenha na fogueira “Agora eu cuspo fogo toda vez que eu falo / Meus canhões estão atirando no seu iate / Eles dizem para seguir em frente mas você sabe que eu não vou (…) Mulheres gostam de caça às bruxas também”. Um golpe de graça é entregue: “É óbvio que me querer morta realmente juntou vocês dois”. É uma mensagem em forma de música e a mensagem é: Swift ainda quer seus masters de volta, em 2020. E ainda vai querer em 2021, 2022 e 2023 também. Se os vizinhos do executivo ou dos executivos que ela está imaginando realmente pronunciam as palavras “vai se fo*er” quando estacionam em suas respectivas entradas de automóveis nós não sabemos, pode ser uma questão de projeção, mas se Swift se diverte imaginando isso, muitos dos seus fãs também irão.
(Uma segunda referência desse tipo pode ser encontrada na faixa bônus “The Lakes”, que só será encontrada em edições deluxe do CD físico e no vinil, que só devem chegar às lojas nas próximas semanas. Lá, ela canta: “O que deveria ter acabado está enterrado sob minha pele / Em ondas de dor de parar o coração / Cheguei longe demais para assistir a alguns nomes sujos serem mencionados / Diga-me quais são minhas palavras”. O resto de “The Lakes” é uma fantasia de uma semi-aposentadoria nas montanhas que tem trechos como — “eu quero ver glicínias crescerem sobre meus pés descalços / porque não me mexo há anos” — “e não sem minha musa”. Ela até imagina rosas vermelhas crescendo em uma tundra, “sem ninguém por perto para twittar sobre”; as fantasias de uma utopia livre de mídia social são realmente pandêmicas.)
A outra música mais abertamente “confessional” aqui também é também a que está em maior parte na perspectiva de uma terceira pessoa, mas só até certo ponto. Em “The Last Great American Dinasty”, Swift explora a rica história de sua mansão à beira-mar em Rhode Island, famosa por abrigar o herdeiro da fortuna da Standard Oil e, depois que ele morreu, sua viúva excêntrica. Swift canta se identificando com as mulheres que, décadas antes dela, fizeram seus companheiros de costa dizerem “lá se vai o bairro…”: “Lá vai a mulher mais insana que essa cidade já viu / Ela passou um tempo maravilhoso estragando tudo”, Swift canta sobre a viúva de longa data, Rebeca. “Cinqüenta anos é muito tempo / A casa de férias permanece quieta naquela praia / Livre de uma mulher e suas loucuras, seus homens e seus maus hábitos / Então foi comprada por mim … a mulher mais barulhenta que essa cidade já viu.” (Uma boa loucura entre mulheres orgulhosas é outro tema recorrente.)
Mas deixando de lado esses exemplos, o álbum é menos obviamente auto-referencial do que a maioria de Swift. O single ‘Cardigan’, que lembra um pouco de Lana Del Rey (apesar de ter sido produzido por Dessner e não Antonoff, parceiro de Del Rey) é parte da trilogia ficcional adolescente mencionada anteriormente, junto com “August” e “Betty”. O suéter aparece de novo nessa última, onde Swift assume o papel de um garoto de 17 anos se desculpando publicamente por ter magoado a garota — e que evoluiu para uma mudança triunfante de nota no final que lembra “Love Story”, pro caso de você estar pensando que Swift abandonou completamente o espírito de seus sucessos anteriores.
“Exile”, o dueto com Bon Iver, lembra outra faixa antiga de Taylor, “The Last Time” — onde ela alternava os versos com Garry Lightbody, do Snow Patrol. Lá, assim como aqui, ela entrega ao homem a primeira palavra e verso, se não a última; ela concorda com o parceiro em alguns aspectos de sua dissolução (“Eu não conseguia mudar as coisas” / “Você nunca mudou as coisas”) e não completamente nos outros (“Porque você nunca deu um sinal de aviso”, ele canta “Eu dei tantos sinais”, ela protesta).
Escolher destaques leva à algumas opções, mas “Illicit Affairs” é a melhor música sobre traição desde a difícil de superar “Getaway Car”, do “Reputation”. Há menos catarse nessa, mas tanto conhecimento quanto, onde Swift descreve tanto os detalhes mais mundanos de se manter um caso (“Diga aos seus amigos que você saiu para correr / Você estará animado quando voltar”) quanto os mais destruidores “O que começou em salas bonitas termina com encontros no estacionamento”, como “uma droga que só funciona nas primeiras vezes” e deixa uma amargura clandestina.
Mas Swift tem sim uma canção de amor para elevar as escalas do álbum de volta à doçura. Não é “Invisible String”, embora seja uma forte candidata. A música campeã de romance aqui é “Peace”, cujo título é um pouco enganador já que Swift promete a seu namorado ou parceiro de vida que e tipo de tranquilidade é a única coisa que ela não pode prometer a ele. Se você gosta de baladas de amor realistas, é um pouco de sinceridade que torna todos os votos compensatórios de fidelidade e coragem ainda mais credíveis e profundamente amáveis. “Todas essas pessoas pensam que o amor é para mostrar / mas eu morreria por você em segredo.”
Essa promessa de privacidade ao seu amado é um lembrete de que Swift é realmente muito boa em manter as coisas escondidas quando ela não está contando tudo – dois opostos que ela parece valorizar e manter em uma medida ironicamente igual. Talvez seja em deferência à santidade do que ela está querendo agora, que há mais narrativas externas do que antes neste álbum – incluindo uma música que faz referência ao seu avô invadindo praias na Segunda Guerra Mundial – mesmo quando ela sai para procurar novos colaboradores e sons também. Mas o que te mantém vidrado, como sempre, é a noção de que Swift é uma reveladora da verdade, com barreiras ou não, em um mundo pop. Ela está celebrando a era mascarada tirando a dela novamente.
Review publicado pela revista Variety e traduzido pela equipe TSBR.
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