23 de setembro de 20 Autor: Julia Cardoso
A evolução linguística de Taylor Swift

Se Taylor Swift perdeu seu sotaque na transição do country para o pop, ela perdeu também a autenticidade particular que é tão importante na música country?

Com o lançamento surpresa de folklore no meio do verão, parece que Taylor Swift finalmente entregou ao mundo um álbum indie muito mais legal que seus anteriores, um que até mesmo um editor da Pitchfork gostou. O trabalho criticamente aclamado, apropriadamente chamado de folklore, é aconchegante e outonal como vestir um cardigã e contar e recontar histórias de término e saudade através do liricismo de linguagem tão característico das composições de Swift.

Parece ser um tentador novo passo em direção a uma forma de música mais moderada e contemplativa na carreira de uma das mais bem sucedidas – mas também extremamente criticadas – artistas dessa geração. Carreira essa que já dura mais de uma década e já passou até por mudança de gênero musical. Apesar de todos os prêmios e de toda a adoração dos fãs, Taylor Swift é também uma artista que há muito é bombardeada com uma confusão de críticas contraditórias, sendo ridicularizada por “revelar demais” sobre sua vida pessoal através de sua música ao mesmo tempo em que é diminuída a nada mais que uma artista pop fabricada, sem autenticidade e cheia de espaços em branco.

Na verdade, ainda recentemente, até seus ‘admiradores’ a elogiavam por sua ética no trabalho ou suas grandes estratégias de marketing, ao invés de atrair atenção para sua habilidade criativa em composições, como se quisessem condenar com fracos elogios. Se a nova sonoridade de folklore é parte de uma luta por legitimidade musical, o sucesso do álbum pode explicar o motivo pelo qual demorou tanto para que os críticos levassem Swift a sério. Por que é que alguns deles nunca conseguiram aceitar que Taylor Swift talvez tivesse algo a dizer que valia a pena escutar?

Talvez a resposta esteja em como os fios de linguagem, sotaque e imagem pública de autenticidade e identidade se entrelaçam naquele gênero musical particularmente confessional onde Taylor Swift deu os primeiros passos de sua carreira, ainda aos quinze anos: o country.

Embora possa parecer óbvio que artistas, assim como todos nós, provavelmente gostam de uma variedade de gêneros, ainda é surpreendente quando eles transitam com sucesso para um tipo diferente de música. Mudar de estilo, seja na música ou na maneira que você fala, pode ser visto com suspeita, e pisar fora da norma pode ser um estigma.

O sotaque no canto

Taylor Swift, que de acordo com alguns é uma grande ‘nerd’ musical, sabidamente fez essa mudança do country para o pop, e levou com ela muitas tradições de composição e estilo. Isso naturalmente influenciou na maneira com que ela e sua música foram recebidas por um público mais amplo e essa recepção nem sempre foi positiva. Inicialmente, ela estabeleceu a forte persona pública de uma garota real e relacionável com um senso de identidade crescente e em evolução que, por um acaso, também era uma estrela country. Mas a relação complexa do country com as ideias de realidade, autenticidade e identidade, através de uma narrativa extremamente pessoal, talvez tenha sido difícil de traduzir para o pop moderno, um gênero aparentemente mais superficial. Além do mais, a experiência vivida por Swift, que é a base para suas composições, passou a incluir sucesso, riqueza e privilégio. Mas apesar de sua narrativa pessoal parecer muito distante do que muitos de nós vivenciamos, claramente ainda há algo no coração daquelas histórias que nós ainda podemos nos identificar.

Linguisticamente, essa contradição fica evidente na mudança de código de Swift ao passar de um gênero musical para o outro. A mudança de código ocorre quando o emissor de uma mensagem que abrange diferentes comunidades de fala muda da linguagem padrão ou esperada, incluindo dialetos ou até mesmo sotaques – em alguns contextos – para outra mais marcado, no mesmo idioma mas em outros contextos. Uma vez que muitos sotaques regionais ou baseados em classe podem ser estigmatizados para coisas improváveis como nível de educação e inteligência (ou até mesmo o potencial para ser um supervilão), pode parecer estranho que as pessoas mudam de formas de falar padronizadas para não padronizadas, mesmo que inconscientemente. Mas é excepcionalmente comum, e fica muito mais curioso quando se trata de música.

As razões para fazer isso, e as escolhas de troca de código que os pessoas fazem, são quase sempre motivadas socialmente, de acordo com a lingüista Carol Myers-Scotton. A troca de código é “um ato criativo, parte da negociação de uma face pública”. É uma forma de sinalizar com qual grupo cultural você se identifica – ou que você deseja pertencer. Também pode sinalizar uma interrupção do que é visto como aceitável e normal, que, por exemplo, é o que alguns gêneros musicais, como rock ‘n’ roll e hip-hop, são. 

Muitos linguistas, como Peter Trudgill, observaram há muito tempo como o sotaque da música pop moderna é geralmente americano, não importa de onde um artista venha. Por exemplo, o sotaque cockney natural de Adele ao falar derrete em tons americanos fluidos ao cantar, o que é amplamente considerado pela maioria das pessoas como normal. Em “Prestige Dialect and the Pop Singer”, o lingüista SJ Sackett observa que uma espécie de sotaque pseudo-sulista americano tornou-se o sotaque padrão da música pop de “prestígio”.

Enquanto isso, os grupos de indie rock como Arctic Monkeys, que cantam em seus próprios sotaques nativos de Sheffield, podem parecer mais chamativos. No entanto, escolher cantar contra a maré musical, com um sotaque fora do padrão, pode sinalizar independência e autenticidade. 

O gênero da música country, ao se diferenciar do pop, abunda nos sotaques regionais mais fortes do sul dos Estados Unidos, não apenas de nativos como Dolly Parton e Loretta Lynn, mas até mesmo de uma canadense como Shania Twain ou do grupo americano sueco First Aid Kit.

Swift segue em uma longa linha de sotaques. O sulista é claramente evidente em seus primeiros singles, como “Our Song”, escrito quando ela tinha quatorze anos, onde você pode ouvir marcadas características fonéticas do inglês sul-americano desde a primeira palavra. O ditongo no pronome “I” em “I was riding shotgun”, soa mais como o monotongo “ah”. Há também a falta de “r” em palavras como “car” e “heart”, e variações gramaticais, como a falta de concordância verbal em “your mama don’t know”. No penúltimo verso, “I grabbed a pen and an old napkin”, revela-se a famosa fusão sulista “pin-pen”, com rima “pen” e “napkin”. 

No single “22”, o gênero é puro pop, mas o sotaque sulista ainda pode ser considerado: o “e” de “twenty” soa mais como “twinny” e o “two” soa mais como “tew”. No entanto, se Swift muda de código por causa do gênero musical no qual ela está cantando ou simplesmente porque ela só adquiriu seu sotaque depois de se mudar para o Sul como uma jovem adolescente, ela perde em grande parte os elementos linguísticos mais marcantes na transição para uma artista pop, com um sotaque americano apropriadamente comum.

Na verdade, Taylor se refere ironicamente à estranheza da mudança de sotaque na formação desconcertante de suas personas no videoclipe “Look What You Made Me Do”. Sua personalidade alegre da música country exclama apenas um breve “y’all!” e sua outra versão de si mesma responde: “Ah, pare de fingir que você é tão legal… você é tão falsa!”

Fingir até conseguir?

Taylor Swift não está sozinha quando o assunto é ser acusada de fingir sotaque. Bandas de pop-punk americanas como Green Day já foram acusadas de fingir um sotaque britânico para imitar o Sex Pistols, assim como grupos não-americanos (por exemplo a banda francesa ”phoenix”), já incorporaram sotaques americanos durante suas apresentações. A alternância de código linguístico em gêneros musicais não é incomum e geralmente passa despercebida, especialmente se os ouvintes praticamente não tem a oportunidade de escutar o artista falando normalmente – a menos que aquela voz cante em um novo gênero em que um sotaque diferente seja a norma. 

Um sotaque é visto como uma parte importante da identidade do falante e quando ele muda, pode criar margem para acusações de ser falso ou inautêntico, ainda que os artistas tenham que evoluir e se recriar. Por mais que esse traço seja desejável em um ator, que conta a história de outros por por meio de seu corpo, em artistas que buscam contar suas próprias experiências através de uma narrativa em forma de composição, podem parecer questionáveis tanto sobre a integridade ou intenções de lucrar com isso. 

“Música não pode ser verdadeira ou falsa, apenas se referir a convenções de falsidade e verdade”

Esse é um fator que complica mais particularmente quando se trata de música country.

Aaron A. Fox começa sua tese sobre música country perguntando “a música country tá falando sério?’ Um núcleo especial de ‘autenticidade’ marca os fãs de country e irrita seus criticos”. Mas para citar Simon Frith, “Música não pode ser verdadeira ou falsa, apenas se referir a convenções de falsidade e verdade”. A única maneira em que podemos falar sobre o que passamos é por meio da narrativa e essas histórias sobre nossa vida são construídas e moldadas por cultura e linguagem – nunca a verdade absoluta, mas uma contínua e fluida recontagem do nosso passado, presente e futuro.

Em termos leigos, a música country é obcecada com a ideia de autenticidade, provavelmente mais do que os outros gêneros musicais, não só pela sua musicalidade (a habilidade requerida para tocar instrumentos acústicos, por exemplo) mas também pela ‘contação de história’: são esperados que os artistas componham e  performem músicas sobre suas vidas e experiências pessoais. Músicas Country idealmente são biográficas, “a vida real de pessoas reais”. Por isso, a linguagem que eles usam é crucial.

Como Fox nota, a temática da música country, de perda e desejo, corações partidos e machucados, são experiências intensamente privadas, mas são expostas por meio de músicas, prontas para serem consumidas pelo público. A linguagem dessas canções pegam o jeito comum, corriqueiro e simples que “pessoas normais” usam e intensificam em uma linguagem poética, metafórica e frívola com um “uso denso, penetrante de trocadilhos, rimas e clichés”

A música “Bargain Store” de Dolly Parton, por exemplo, usa seu próprio estilo, tanto na letra quanto na performance, para relembrar sua vida pobre e seu coração partido, coisas que as pessoas costumam manter privadas.

Minha vida está como uma loja de trocas

E eu posso ter exatamente o que você está procurando

Se você não se importar de toda mercadoria ser usada

Mas com um remendinho poderia ser tão bom como novo

Pamela Fox também considera a canção country autobiográfica diferente para as mulheres. Longe de uma perspectiva masculina ou patriota extrema sobre uma vida de bebedeira, muito trabalho e amores perdidos, mulheres bem-sucedidas no country como Lynn, Parton e Tammy Wynette são conhecidas publicamente por falarem sobre superar uma vida anterior de dificuldades e pobreza, particularmente por causa das origens familiares na mineração de carvão, rural ou colheita de algodão.

Essa fonte de autenticidade é difícil de imitar ou debater, comparada com o suposto vazio de uma vida confortável de classe média.

E, no entanto, escreve Fox, “não se pode permanecer no country por muito tempo se faltam as raízes (e se lentamente troca a vida comum por um mundo irreal de excesso e constante mudança)”. De certa forma, “as histórias de sucesso são classificadas como ‘fracassos’ na autenticidade do country: como celebridades femininas que trabalham muito, elas perdem não apenas seus passados tradicionais”, mas também o respeito do público, que vem somente com o humilde mundo doméstico ou materno sobre o qual elas cantam, e não com suas novas vidas de conforto e sucesso. Como disse Dolly Parton: “Embora eu pareça uma árvore de natal de uma drag queen por fora, sou, no fundo, uma simples mulher do interior”.

Sem dúvida, a luta de Swift com a percepção de autenticidade é tão real e problemática quanto a enfrentada pelas mulheres no country que vieram antes dela, embora Swift tenha origens de classe média alta em vez da pobreza.

O valor das palavras

Em “The Last Great American Dynasty”, Swift fala sobre a história de alguém que ela nunca conheceu: a excêntrica e rica Rebekah Harkness de Rhode Island. Quando Swift se insere no final da narrativa, fica claro que Harkness era a dona da casa que Swift comprou mais tarde.

“50 anos é muito tempo/A “Casa de Férias” permanece quieta naquela praia”, ela canta. “Livre de uma mulher e suas loucuras, seus homens e seus hábitos ruins/E então ela foi comprada por mim”.

É mais difícil de se identificar com a experiência de Swift aqui, porque a maioria de nós não pode simplesmente comprar casas de férias em uma praia em Rhode Island. E, ainda assim, os sentimentos de estar fora do padrão, de sentir-se deslocado e de ser taxado como louco são certamente estados emocionais que todos podemos compreender.

Na evolução da composição de Swift, sobre outras pessoas ou sobre ela mesma, algumas coisas podem ser diferentes da nossa experiência, mas são muito sinceras, principalmente pela forma habilidosa de usar a linguagem. E com isso, podemos entender o porquê as palavras de Taylor Swift valem a pena ser escutadas.

Matéria publicada pela Daily Jstor e traduzida pela Equipe TSBR.





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