Chega um momento na carreira de quase toda pop star em que ela – sim, é quase sempre “ela” – é forçada a se arrepender por um álbum que foi longe demais, forçou demais, ou simplesmente sofreu um caso de timing ruim. O resultado é geralmente uma sequência que fica na zona de conforto ou tenta recapturar triunfos passados, o que ou é exaltado pela crítica ou ridicularizado como uma tentativa de controle de danos. É um rito de passagem que, com seu sétimo álbum, Lover, Taylor Swift parece profundamente ciente, mas desinteressada em subverter.
Swift lançou a mais recente era de sua carreira com a enjoativa “ME!”, uma verdadeiramente irritante abordagem do pop brilhante do seu hit de 2014 “Shake It Off”, acompanhada de uma campanha de social mídia conscientemente encharcada de tons pastéis cremosos, jóias em formato de coração e gatinhos fofos. É um contraste decisivo com o Reputation de 2017, que foi definido por seu tom combativo e batidas fortes influenciadas pelo hip-hop, e que ganhou a distinção de se tornar o álbum menos vendido de Swift até hoje.
Swift construiu um império, em parte, por sua capacidade de aproveitar o drama pessoal frequentemente autoinfligido – girando em torno de ex-amantes, amigos desleais e da mídia – em músicas que exibem raiva de partes iguais, autodepreciação insolente e emocionada sinceridade. O espinhado Reputation se apoiou fortemente no anterior, e como todos os reboots do pop antes dele, Lover é uma óbvia correção de curso. Swift, no entanto, parece ambivalente sobre sua atual situação: “Eu digo que não quero (combate), mas e se eu quiser?”, ela reflete em “The Archer” antes de prosseguir para bombardear os ouvintes com incisivas confissões – “Todos os meus heróis morreram sozinhos”, “Todos os meus inimigos eram amigos” – se encaixam mais em sessões de terapia do que nas músicas pop comuns.
A ambivalência atravessa o Lover. Em alguns momentos o álbum parece não ter certeza se quer ser um retorno ao 1989 ou ao Red, ou criar um território completamente novo para Swift. Abrindo Lover com um pouco de orientação aparentemente arbitrária, “I forgot that you existed” é um tipo de diss track malcriada – possivelmente direcionada para Kanye West e/ou Calvin Harris que cimentou a própria reputação que Swift lamenta nas letras. Mas parece uma caricatura de uma música de Taylor Swift, uma versão distorcida de respostas mais satisfatórias como “Bad Blood” e “This Is Why We Can’t Have Nice Things”.
Lover carece de uma estética sonora unificada, ostensivamente tentando ser algo para todos – o mais certo a se dizer é que é tanto reação quanto criação. A faixa título, cujos tambores ritmados e vocais reverberados lembram o hit dos anos 90 “Fade Into You”, da Mazzy Star. A acústica “Soon You’ll Get Better”, um tributo à mãe de Swift junto com as Dixie Chicks, nos leva de volta aos dias pré-pop de Swift, enquanto “I Think He Knows” e “False God” evocam a marca de eletro-pop anos 80 misturado com R&B de Carly Rae Jepsen. Se abraçasse completamente essa última direção, Lover poderia ter soado menos como uma capitulação. Quando se trata de coisas além de garotos, porém, Swift sempre preferiu só molhar os dedos dos pés ao invés de mergulhar totalmente; sua transformação de adolescente country para rainha do pop, afinal, foi construída durante uma década.
Bem menos gradual foi a mudança de Swift na política: de agnóstica para defensora liberal. Em menos de um ano, a cantora deixou de ser a deusa ariana da extrema direita e foi chamada de agente de Sodoma. Eles dizem que não dá pra colocar um gênio de volta na lâmpada, e a música de Swift que uma vez foi apolítica agora está cheia de referências ao atual estado da América, veladas (Death by a Thousand Cuts) e mais evidentes (You Need to Calm Down). “Eu estou tão cansada de correr o mais rápido que posso/Me perguntando se eu chegaria mais rápido se eu fosse um homem”, ela canta em “The Man”, uma faixa que faz ligeira referência àqueles que duvidaram de seu momento #MeToo.
“Histórias americanas queimando antes de mim/Me sinto desamparada, as donzelas estão deprimidas/Garotos serão garotos, mas onde estão os homens sábios?”, Swift pondera em “Miss Americana & the Heartbreak Prince”. Claro, nesse caso, a política é uma metáfora para a decepção amorosa. A faixa é seu estoque no comércio, uma narrativa ricamente pintada e pontuada com sintetizadores legais e refrescantes e cantos animados. “It’s nice to have a friend é uma evocativa representação similar do amor jovem cujo arranjo – vozes de coral, tambores, sinos de igreja e solo imponente de trombeta – é um forte contraponto à “Death by a Thousand Cuts”, um banquete auricular de teclados rodopiantes e sintetizadores trêmulos que lembra o álbum “Pet Sounds”. “The Archer” é essencialmente Swift: um sonho pop melancólico e minimalista, que mostra sua vontade de reconhecer e desmontar suas falhas, gatilhos e neuroses.
Algumas pop stars podem ser grandes demais pra falhar. As composições de Swift sofrem de ocasionais oscilações* e Lover pode parecer tanto extremamente pensado quanto, em suas 18 músicas, pouco editado. Mas a reputação merecida de Swift por compartilhar demais, um reflexo da geração pela qual ela se tornou uma enviada espiritual, juntamente com seu recém descoberto igualitarismo, a tornam não somente uma figura pop atraente, mas essencial.
*Termo original substituído. Não foi encontrada nenhuma tradução útil ao contexto.
Matéria publicada pela Slant Magazine e traduzida pela equipe TSBR
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